Prometido e não cumprido. Meu passado e meu futuro. Tudo vira bosta. Um dia depois, não me vire as costas. Salvemos nós dois: tudo vira bosta. (Rita Lee)

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

João era cético

     E, como todo cético, buscava a razão em tudo. Não que o mundo tenha razão, ele tem só acasos. Mas, felizmente, João tinha 7 punhados de razões para cada fato que ele analisava com seus óculos bifocais.
     Ele tinha duas linhas verticais no intercílio, sinal de compulsão quase sexual pela investigação. Como não se analisa as coisas sem premissas, João estudava. E estudava muito, observava, assistia — quando a mente acalmava, é claro —, sempre coletando dados que lhe servissem de postulados em seus exames. Aos livros, ele deveu, então, um dos graus de suas lentes. À compulsão por nitidez e clareza, o outro.
     Pode parecer, numa primeira visão, que o homem era curioso. Não. A paixão pelo escrutínio foi motivada, talvez em parte, mas nunca totalmente pela filosofia em si, senão devido à incapacidade que João tinha para suportar qualquer indeterminação. E, seguindo essa lógica comportamental, não é difícil prever, seguiram-se muitas dores de cabeça: a do porque pinga a torneira, porque a lua aparece pequena em fotografias, como funciona uma caixa de marchas, qual é o motivo da gravidade... E a do sentido da vida, entre outras.
     Sim, João descobriu o sentido da vida, ou deu um à ela, mas deixa pra lá. Acontece que um dia teve algo que João não entendeu.
     7 sinaleiras abertas consecutivamente. E ele só foi notar na 5ª. Deixou passar, mas se lembrou de que a 'onda verde', como era chamado o projeto de sincronização dos semáforos, ainda não fora aprovado, muito menos instalado.
     Uma buzina atrás de João. Não pode ser: a oitava sinaleira, ele se enganara, também estava aberta. Ele tinha de averiguar, de repente sentiu-se envolvido por um elã empírico e todas as linhas de compromisso da agenda de João se apagaram, naquela manhã.
     Naquela manhã, João percorreu São Paulo inteira, com uma fila de carros atrás, e o caminho livre à frente. Tentando inultimente dar razão para todo aquele caos. Todos os sinais verdes.
     João nunca mais foi o mesmo.

(23/05/06)

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