Eu vi os contornos, de longe, meio embaçados. As listras de tarde, que as persianas de fibra, do alto, deixavam dançar em suas formas lascivas, devido ao balanço do vento, reluziam alegres na sua pele. O andar cheio de hesitação, mas gracioso. O rosto... E tudo isso passou semipercebido por minha consciência, como outra banalidade do existir.
Passando-se os minutos, porém, naquela dança sutil que dois corpos fazem quando se percebem, de longe, e que dançam, disfarçando, fazendo outras coisas. Os olhares, os gestos, tudo é mais belo; porque tudo é pro outro, como um presente.As formas vieram para perto, trabalhar no lado de cá. Aquele ar que fica denso, pela proximidade, como o derradeiro ar carregado que precede um relâmpago. Os olhos se afastam, comedidos, com medo de provocar alguma descarga; nos parcos instantes, porém, se atritam um pouco, gerando faíscas. As curvas ficam, mas as curvas vão, dançando.
De repente: o último ato. E o adeus anuncia-se, implícito, já pelo tempo decorrido. Os olhos caem um pouco, mas continuam observadores. No caminho até mim, as pupilas se cruzam e se atravessam até a tensão ficar insuportável, e sento num canto. O adeus, implícito; o armário; a escada; olhar de soslaio, um pouco demorado; a mão no corrimão, lasciva, teimosa, querendo ficar; adeus, explícito. Nenhuma palavra.
(22/09/05)
Prometido e não cumprido. Meu passado e meu futuro. Tudo vira bosta. Um dia depois, não me vire as costas. Salvemos nós dois: tudo vira bosta. (Rita Lee)
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