Prometido e não cumprido. Meu passado e meu futuro. Tudo vira bosta. Um dia depois, não me vire as costas. Salvemos nós dois: tudo vira bosta. (Rita Lee)

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

2007

Começar de novo
Sorrir sozinho ao lado de quem não quer sorrir
Chorar, amar, sofrer, prazer
Romper distâncias
Romper silêncios
Ficar em silêncio
Construir

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Linguagem corporal

É quando eu afasto a sua perna com um toque do meu joelho no lado interno da sua coxa.

"Rolar"

Você me olha, eu olho você
Meus olhos não se surpreendem
Como poderiam? Dois mais dois
Quatro, paredes, nós, dois, sexo.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

O mormaço de Elisa

    Elisa não queria saber de nada. Aliás, não queria nem pensar: imaginá-lo já lhe cansava. Elisa queria simplesmente deixar de existir, e voltar a ser em outro momento, em outro lugar, com uma aliança no dedo ou um homem na cama, o mais, não sabia.
    O fato é que há milhares desses momentos inexoráveis dentro de sua vida. Instantes, ou melhor, tardes ou noites inteiras nas quais nada lhe é possível e tudo parece sem solução. São desses tormentos intrínsecos que resultam metade dos seus cortes de cabelo. E essa constatação tornou possível a estimativa de quando se dera a última crise. Nessa vez, cortou uma mecha de cabelo com uma tesoura de unha, na altura do ombro. Segundos depois, no queixo, e, mais adiante, à doze centímetros da raiz. Assim se sucedendo com o resto do cabelo; no dia seguinte uma arrependida e mais sã Elisa foi ao salão, a fim de descobrir com o que os penteados com doze centímetros se pareciam.
    E Elisa está agora, novamente, com uma tesoura de unha na mão. A tesoura, porém, desta vez, não a ajudará tanto: o seu cabelo está igual ao de um menino de internato, cujas madeixas foram cortadas com o auxílio de um pote e, depois, penteadas para os lados. Por mais rude que a bicha do salão tenha sido, no entanto, a aparência lhe caiu bem. Os seus seios pequenos e empinados combinam com ele. E as partes baixas do crânio de Elisa, quase nuas, gotejam a sua loucura nos momentos de tédio.
    Elisa agora pensa como seria ser careca. Uma cabeça esquizofrênica ou uma daquelas mulheres gordas que cortam o cabelo com máquina e usam pomada para despentear. E com todo o banheiro, todo o universo pulsando tédio ao seu redor, Elisa decide ter um orgasmo. Gozar é sempre uma das ações para esses momentos de tédio; — apesar de saber que não funciona — Elisa sempre se lembra de quando ouviu no Discovery Health que crianças estressadas tendem a se masturbar mais. Elisa sente-se louca, abobada, ridícula pensando essas coisas e com uma mão no seu clitóris. Pára um instante. O silêncio do tédio lateja. Continua. Elisa goza. Na verdade, só percebe que gozou porque sempre lhe sai pequena quantidade de um líquido estranho, leve umidade, aroma, extremo inconveniente. Elisa pensa em como deve ser ruim ser homem. Elisa se sente frustrada por ter gozado sem perceber.
    Pega a tesoura de unha. Imagina, sem querer — porque, por vezes, seu pensar é automático —, na lâmina ao redor do clitóris. Contrai-se: não quer uma lâmina cortando-lhe o sexo. Deixa de besteira, pensa. Elisa volta a tesoura para cabelo.

(05/10/06)

Na cozinha

— Onde estão os camarões?
— No armário.
— Oh, sim, apodrecidos...
— Eu quis dizer no freezer.
— Não, no mar! Eu estou com o freezer aberto, porra, só que não os consigo achar. Onde?
— Onde o quê?
— Merda.
— Achou?
— Agora você sabe o que era?
— Achou ou não achou?
— Tá, onde estão?
— Embaixo do bacalhau, compramos no mesmo dia.
— Odeio bacalhau.
— Por isso que estamos fazendo camarão.

[...]

— Culpa sua.
— O quê?
— Os camarões. Digo, o freezer.
— Você que não os acha e a culpa é minha?
— Devia ter uma prateleira só com o camarão...
— ...que ia ficar vazia todos os outros 350 dias do ano.
— Nessas épocas no ano, devia, então.
— E o que a gente ia pôr nela enquanto isso?

[...]

— Vou fritar a cebola.
— Começou há dois minutos.
— Pois então, estou fritando-a.
— Ah, sim! Eu não o tinha percebido.

[...]

— Já acabou?
— Tá sentindo o cheiro no ar?
— Sim.
— Por que será?

[...]

— O cheiro fica no ar depois que a gente já parou de fritar.
— E daí?
— Daí que você disse que não.
— Não disse.
— Vá se foder.
— Venha me foder.
— Eu vou.
— Só depois que a comida baixar.
— Vá a merda.
— Você que vai.
— Esqueceu do enema hoje?

[...]

— Eu lavo e você seca.
— Você lava e o tempo seca.
— EU, lavo; VOCÊ, seca.
— A louça seca sozinha.
— Não seca.
— A gente pode descobrir.

[...]

— Quer que eu lave um pouco?
— Não.
— Você não queria que eu secasse?
— Você vai secar.
— Não vou.
— Vai sim.

[No quarto]

— Nunca mais faço camarão.
— Continua chupando que tá bom.

(15/08/06)

João era cético

     E, como todo cético, buscava a razão em tudo. Não que o mundo tenha razão, ele tem só acasos. Mas, felizmente, João tinha 7 punhados de razões para cada fato que ele analisava com seus óculos bifocais.
     Ele tinha duas linhas verticais no intercílio, sinal de compulsão quase sexual pela investigação. Como não se analisa as coisas sem premissas, João estudava. E estudava muito, observava, assistia — quando a mente acalmava, é claro —, sempre coletando dados que lhe servissem de postulados em seus exames. Aos livros, ele deveu, então, um dos graus de suas lentes. À compulsão por nitidez e clareza, o outro.
     Pode parecer, numa primeira visão, que o homem era curioso. Não. A paixão pelo escrutínio foi motivada, talvez em parte, mas nunca totalmente pela filosofia em si, senão devido à incapacidade que João tinha para suportar qualquer indeterminação. E, seguindo essa lógica comportamental, não é difícil prever, seguiram-se muitas dores de cabeça: a do porque pinga a torneira, porque a lua aparece pequena em fotografias, como funciona uma caixa de marchas, qual é o motivo da gravidade... E a do sentido da vida, entre outras.
     Sim, João descobriu o sentido da vida, ou deu um à ela, mas deixa pra lá. Acontece que um dia teve algo que João não entendeu.
     7 sinaleiras abertas consecutivamente. E ele só foi notar na 5ª. Deixou passar, mas se lembrou de que a 'onda verde', como era chamado o projeto de sincronização dos semáforos, ainda não fora aprovado, muito menos instalado.
     Uma buzina atrás de João. Não pode ser: a oitava sinaleira, ele se enganara, também estava aberta. Ele tinha de averiguar, de repente sentiu-se envolvido por um elã empírico e todas as linhas de compromisso da agenda de João se apagaram, naquela manhã.
     Naquela manhã, João percorreu São Paulo inteira, com uma fila de carros atrás, e o caminho livre à frente. Tentando inultimente dar razão para todo aquele caos. Todos os sinais verdes.
     João nunca mais foi o mesmo.

(23/05/06)

Desejo é estufar o peito

    Eu vi os contornos, de longe, meio embaçados. As listras de tarde, que as persianas de fibra, do alto, deixavam dançar em suas formas lascivas, devido ao balanço do vento, reluziam alegres na sua pele. O andar cheio de hesitação, mas gracioso. O rosto... E tudo isso passou semipercebido por minha consciência, como outra banalidade do existir.
    Passando-se os minutos, porém, naquela dança sutil que dois corpos fazem quando se percebem, de longe, e que dançam, disfarçando, fazendo outras coisas. Os olhares, os gestos, tudo é mais belo; porque tudo é pro outro, como um presente.As formas vieram para perto, trabalhar no lado de cá. Aquele ar que fica denso, pela proximidade, como o derradeiro ar carregado que precede um relâmpago. Os olhos se afastam, comedidos, com medo de provocar alguma descarga; nos parcos instantes, porém, se atritam um pouco, gerando faíscas. As curvas ficam, mas as curvas vão, dançando.
    De repente: o último ato. E o adeus anuncia-se, implícito, já pelo tempo decorrido. Os olhos caem um pouco, mas continuam observadores. No caminho até mim, as pupilas se cruzam e se atravessam até a tensão ficar insuportável, e sento num canto. O adeus, implícito; o armário; a escada; olhar de soslaio, um pouco demorado; a mão no corrimão, lasciva, teimosa, querendo ficar; adeus, explícito. Nenhuma palavra.

(22/09/05)

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Desculpa

Eu não estourei os teus sonhos
No meio do céu
Para te fazer sofrer:
Eu assoprei o balão por um dia
Para vê-lo lá no alto
E ele estourou nas estrelas.